Thursday, January 14, 2010

02/01/2010 22:22

Metade – Oswaldo Montenegro


Não me matei. Chorei. Muito, ainda que em algumas vezes não tivesse lágrimas. Pensei muito na lista do que sou. Vi que sou também e muito a lágrima na cara suja da criança faminta. Lágrima que rasga o rosto do menino abrindo um rio de lama. Inútil. Percebo agora que o convívio comigo mesmo não se tornou suportável. Não posso mais viver em mim. Metade de mim é partida e outra metade não será mais uma chegada. Já não existem mais simples alegrias que me aquietam o espírito, ainda que a noite esteja linda, mas minha alma ainda tem a cor das cores desbotadas pelo sol. Sou plástico esquecida ao sol, ressecada e perdendo a cor, numa agonia invisível de quem sufoca. Agoniza Saturno. Não tenho mais o medo da solidão, muito menos a lembrança do doce sorriso que dei na infância. Não sou mais abrigo, sou cansaço. Sou colo desconfortável. Sou lágrima que não cai. Quero continuar nas promessas, embora eu saiba que não as cumprirei. Quero fazer promessas. Só tenho forças para fazer promessas. Prometo me lembrar das ruas de Santa Tereza. Prometo sentir o frio que senti lá. Prometo o gosto do vinho de jaboticaba na boca, a som dos passos nas ruas, a cor das janelas dos casarões. Prometo a mata entrando na cidade, o morro, o tronco, a vista do vale, a neblina. O frio. Minha alma esfriou. Prometo o museu que eu esqueci o nome, os bichos empalhados, os beija-flores presos para exposição. Prometo o Mosteiro de Ibirassu. A subida que sufoca e doe os músculos. A dor faz esquecer a cor da alma. Prometo o som do sino de meditação, a estátua do Buda, a sombra da árvore, a areia, a vista, a descida, a subida, a vista de cada pedacinho que eu vi e se perdeu na minha memória que não conseguiu guardar cada detalhe do mosteiro...

A Tonha está no meu colo, ronronando e “amassando o pão”, ela me olhou e levou a pata na lágrima que estava caindo, sei que é antropomorfização, mas ela fez isso: botou a pata na minha cara chorona e lambeu a pata.

A lista – Oswaldo Montenegro.

Eu não me reconheço na foto passada nem no espelho de agora, os defeitos sanados com o tempo não eram os únicos defeitos que havia em mim, e meu discurso, ah o meu discurso de certezas, meu orgulho, minha bandeira (s)! Quanto orgulho das minhas convicções achando que eram as melhores características minhas...São lixos contaminados. LIXOS. Lixos cultivados por tanto tempo que não sei como me desfazer deles. A força do medo que tenho me impediu de ver o que anseio...NÃO ME MATEI, ainda.

1 Comments:

Blogger Renata Bomfim said...

OLá Erli, boa noite!
Postei a resposta a sua pergunta lá no blog e vim retribuir a sua amavel visita. Gostei de navegar pelo seu cantinho, senti nele uma nostalgia gostosa, sou uma amate dos poetas finisseculares, do Baudelaire, da Florbela ESpanca... então, as musicas me agradaram muito...
Desejo a voc~e sua familia um 2011 cheio de amor, paz, felicidades
Abraços
Renata Bomfim

2:14 PM  

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